UM ESPÍRITO DE CALOR OU O CALOR DO ESPÍRITO?

09:00Apenas Evangelho


Leiam atos 18.24-28 


por Sandro VS


Já tem certo tempo que entramos em uma transição entre o analógico e o digital, ou seja, passamos de uma época onde tudo aquilo que nos rendia um tempo considerável de pesquisa e anotações foi simplesmente parar na palma de nossas mãos com uma simultaneidade inimaginável. Mas, devido a corrente mudança das coisas, toda essa sofisticação precisa ser atualizada, pois as informações se alteram repentinamente e os acessos devem acompanhar essas mudanças. 


No texto citado acima, Lucas insere em sua narrativa alguém que o impressiona. Surge no desenvolvimento do cenário cristão um homem chamado Apolo. Seu nome significa "espirito de calor" e é exatamente assim que Lucas o descreve: um homem eloquente, instruído e fervoroso de espirito. Significando dizer que, quando o assunto eram as Escrituras, o que se percebia não era apenas um individuo culto e convincente, mas, segundo o texto grego, alguém que mantinha sua temperatura sempre elevada quando vazava seu conhecimento. 

Porém, o que não nos é ocultado sobre ele é tão relevante quanto este seu currículo, isto é, apesar de todo esse admirável poder persuasivo faltava a ele a atualização do conteúdo que se propunha a expor, pois Lucas registra que tudo o que ele sabia se resumia ainda em uma revelação parcial de Deus aos homens, ou seja, tudo até o batismo de João, o Batista. 

Lucas ainda faz questão de informar que esse homem notável era natural de Alexandria e essa informação pode dizer muito a respeito dele. Essa cidade fora fundada por Alexandre, o Grande e veio a tornar-se a segunda cidade mais importante do império romano, com a fama de ser o centro de educação e filosofia, pois, segundo informações, possuía uma universidade com uma biblioteca contendo quase 700 mil livros. Foi ali que a Septuaginta (LXX), versão grega do Antigo Testamento, tinha sido produzida cerca de 200 anos antes de Cristo. 


A população de Alexandria, cerca de 600 mil habitantes, era extremamente cosmopolita, constituída de egípcios, romanos, gregos e judeus. Pelo menos um quarto da população era de judeus, e a comunidade judaica era bastante influente. Talvez esse prestígio judaico tenha sido o estímulo para que o grande erudito Filo tenha tido êxito no seu trabalho de interpretação alegórica do Antigo Testamento para conciliar a religião hebraica com a filosofia grega. 



Assim, por mais que Apolo conhecesse bem as Escrituras do Antigo Testamento e as ensinasse convincentemente a partir de uma energia entusiasta, pois tinha como característica intrepidez suficiente para entrar em sinagogas e pregar aos judeus, havia um problema grave na sua transmissão, isto é, esse homem cheio de entusiasmo, além de proclamar um evangelho incompleto, já que sua mensagem só chegava até João Batista, provavelmente se valia de uma interpretação alegórica. 

Ao que tudo indica isto implicava em não saber o suficiente acerca do Calvário, da ressurreição de Cristo e da vinda do Espírito em Pentecostes. Parecia não entender que o ministério de João Batista foi parte importante do plano da redenção, mas não resumia este plano. Portanto, Apolo conhece bem as promessas, mas aparenta saber muito pouco sobre o seu cumprimento. Em outras palavras, Lucas nos descreve um orador poderoso, mas com um conhecimento parcial e uma interpretação mística e metafórica das Escrituras. 

Porém, em um de seus acalorados pronunciamentos havia dois ouvintes especiais, um casal que se também se propunha a anunciar o Evangelho de Cristo, porém, não na força de um espirito acalorado necessariamente, mas no poder do Espirito Santo que testifica a verdade nos corações dos seus ouvintes. Priscila e Áquila, na mesma medida em que não deixaram de notar a paixão de Apolo, não se omitiram a ponto de permitir que essa paixão fosse anulada pelo seu conhecimento evidenciado em um sermão simbólico e fragmentado. 

Uma pergunta pertinente a ser feita nessa narrativa é acerca da origem da mensagem apresentada por Apolo. Um caminho para respondermos essa questão é a palavra grega para "instruído" no versículo vinte e cinco. Uma tradução significativa para o que Lucas quer dizer é que Apolo foi "catequizado" e isso indica que ele recebeu uma espécie de instrução formal acerca das Escrituras. Partindo do auxilio prestado por Priscila e Áquila, percebe-se que essa catequese comprometia a doutrina apresentada por Apolo, assim, por mais que sua mensagem não fosse incorreta e nem dissimulada, era incompleta e isso fazia toda a diferença. 

Percebe-se que depois de orientado pelo casal do Evangelho, aquilo que já era atraente em Apolo se tornou praticamente irresistível nele, pois agora sua oratória e entusiasmo são canais de um entendimento correto do Evangelho. Tanto isso é verdade que a própria igreja de Éfeso endossa sua agenda para uma temporada de exposições na cidade Corinto. 

A muito se discute sobre que tipo de entrega da mensagem do Evangelho é mais eficaz. Existem os que gostam de um gênero mais fervoroso, ao estilo Apolo, mas também há os que preferem o gênero mais comedido, ao estilo de Paulo. Digo isso porque na primeira carta aos coríntios, ao falar de uma divisão que ocorreu entre os membros da respectiva igreja, o apóstolo Paulo afirma que um dos grupos criados jurava devoção a Apolo e outro a ele, Paulo. Porém, encontramos na segunda carta aos mesmos coríntios o apóstolo denunciando alguns membros que o desconsideravam, alegando que sua presença pessoal era fraca e que sua pregação não impunha respeito. (II Cor. 10.10) 

Portanto, entre outras coisas, essa diferença entre Apolo e Paulo parece ser uma razão patética para essa divisão que o apóstolo tão veementemente procura dissolver logo no início da primeira epístola, reiterando que o único conteúdo da pregação, independente de quem a entregue, deve ser Cristo e esse crucificado. (I Cor. 1.23) 

Assim, ao mesmo tempo em que as Escrituras mostram que pouco importa se a entrega da exposição for feita por meio de um espirito de calor ou um espírito manso, desde que o conteúdo seja composto no poder do Espirito Santo, apontam também que existe um perigo real ao qual todo discípulo é exposto, ou seja, o risco de se deslumbrar com uma oratória persuasiva e inflamada sem analisar o conteúdo do que esta sendo exposto. 

Vivemos em um tempo onde o poder de convencimento de alguém pode ser intensificado pelo alcance de incontáveis ouvintes, porém, nossa preocupação não deve se prender ao fato de que um espírito de calor (Apolo) está sendo ouvido nos quatro cantos do mundo, mas sim ao conteúdo da mensagem deste Apolo (espírito de calor)

O discípulo deve entender que todo o espirito de calor deve estar subordinado ao calor do Espírito! Em outras palavras, devemos examinar todo o entusiasmo, submetendo o seu conteúdo ao crivo das Escrituras iluminadas pelo Espirito Santo, que tem a missão de nos guiar a toda à verdade exposta pelo Pai, na pessoa do Filho. 



Foi apenas no Evangelho que Apolo converteu seu espirito acalorado ao poder do Espirito Santo, e assim, não só conheceu o conteúdo completo da revelação, mas foi possuído por esse conteúdo! 

Soli Deo Glória! 

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