VAI PASSAR...
09:50Apenas Evangelho
Depois de terem comido, perguntou Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais do que estes outros? Ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Ele lhe disse: Apascenta os meus cordeiros. Tornou a perguntar-lhe pela segunda vez: Simão, filho de João, tu me amas? Ele lhe respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Pastoreia as minhas ovelhas. Pela terceira vez Jesus lhe perguntou: Simão, filho de João, tu me amas? Pedro entristeceu-se por ele lhe ter dito, pela terceira vez: Tu me amas? E respondeu-lhe: Senhor, tu sabes todas as coisas, tu sabes que eu te amo. Jesus lhe disse: Apascenta as minhas ovelhas.
João 21:15-17
Por Sandro VS
De qualquer ponto de vista, este é um capítulo estranho, pois se lermos o Evangelho de João ininterruptamente chegaremos à conclusão que tudo se encerra nos últimos dois versículos do capítulo vinte. O Evangelho de João com muita frequência, contém dois sentidos, ou seja, um que aparece na superfície e outro mais profundo, que está oculto. De maneira que, ao estudar este capítulo deve-se fazer um esforço para compreender quais foram as razões pelas quais o autor parece ter o acrescido depois de o livro ser encerrado.
Para entendê-lo melhor precisamos recuar um pouco na história de um dos envolvidos diretamente nesta narração, seu nome era Pedro, um homem rude, um homem feito pela vida, portanto comum a qualquer outro. Era trabalhador, empreendedor, cauteloso, empolgado, mas também tinha uma característica marcante, viajava de um extremo a outro nas sensações mais inusitadas da existência com uma velocidade espantosa, por exemplo, no jardim onde Jesus foi preso, ele é tomado por uma reação corajosa sem precedentes e, para defender Jesus, corta a orelha de um soldado chamado Malco e não muito tempo depois, no pátio da casa do sumo sacerdote não só abandona a posição de defensor de Jesus, mas também o nega com veemência.
A partir disto, Pedro é vítima de um algoz cruel e sádico, um carrasco que não tem só prazer na morte da vítima, mas que se satisfaz em torturá-la, o PASSADO.
Como primeira medida para vencer o passado Pedro faz a viajem que qualquer um faria, ele procura reiniciar a vida voltando a fazer o que sempre fez, pescar. Poderíamos, sem problemas, afirmar que Pedro estava fazendo algo perfeitamente legítimo, afinal, precisava pagar suas contas, e a melhor maneira de levantar seu sustento era pescar, mas Pedro havia sido chamado para deixar essa vida, portanto parece errado voltar para ela. Assim, voltar atrás não silencia o passado.
E, quando avisado por João, percebe que Jesus está na praia, faz a segunda viajem também comum a qualquer um que esteja enfrentado o seu passado, procura compensar o seu erro e reparar os seus danos com apresentações de devoção e serviço. Precipita-se na água e, obstinado, nada cerca de noventa metros para chegar até Jesus antes dos outros, depois quando Jesus pede alguns dos peixes apanhados, ao invés de buscar um ou dois, puxa a rede com todos os peixes e o faz sozinho. A dedicação compensatória não passa de egoísmo e representação, assim, praticá-la também não silencia o passado.
Então Jesus revela a única maneira de superar este tão cruel algoz e faz, por três vezes, a tão conhecida, mas significativa, pergunta, "Pedro, tu me amas?".
Para entendermos melhor a proposta de Jesus precisamos recorrer à gramática grega e aos significados para a palavra amor empregados aqui.
Na primeira pergunta, Jesus usa o termo ágape que significa o amor incondicional e abnegado e acrescenta "mais do que estes" como quem diz, "tudo o que você fez sozinho até aqui não disse muito, mas me diga uma coisa, você também me ama mais do que estes?", mas Pedro, sem ter a coragem de responder neste nível, responde com fileo que é a palavra para descrever o amor afetivo, com base na reciprocidade, o que deixa a resposta de Pedro, mais ou menos, assim: "Tu sabes que eu lhe tenho consideração".
Na segunda pergunta Jesus insiste em usar o termo ágape, mas agora tira a comparação que Pedro propunha nas suas atitudes e a resposta de Pedro é a mesma.
Na terceira pergunta Jesus usa a palavra fileo e, assim, desce até onde Pedro estava perguntando "Pedro você tem alguma consideração por mim mesmo?" ao que Pedro fica triste e responde "Senhor Tu sabes de tudo o que se passa na minha alma, sabes que não posso fazer esta declaração de fato", ou seja, Pedro entendeu que o único jeito de se desvencilhar de um passado de frustrações era se apegando no amor de Deus.
O passado não pode nos afastar do amor que Deus tem por nós, visto que Ele nos amou quando éramos inimigos Seus, mas o passado tem o poder de impedir-nos de experimentar o amor de Deus em nosso favor, assim sendo, Deus não se impede de nos amar, mas somos nós, quando presos ao passado, que nos privamos de desfrutar deste amor.
Por isso, na maioria das vezes, o passado é a placenta que não abandonamos para nos tornarmos adultos na vida, é aquilo que intelectualmente admitimos, mas afetivamente não abandonamos.
É somente quando entendemos que o amor de Deus é pleno e incondicional que o passado vira passado, o futuro vira futuro, e o presente se torna tudo que temos.
Soli Deo Glória!
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